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SEREMOS NÓS NARRADORES DE MEIAS VERDADES?

Atualizado: 4 de out. de 2021



Em primeiro lugar, salienta-se que este texto não pretende discutir a viabilidade ou não da liberação de entorpecentes. Ele serve para destacar dados encontrados, o (possível) liame entre os temas apresentados e as incessantes dúvidas da pesquisadora, que podem ser esclarecidas pelos leitores deste Blog.

Em 27 de outubro de 2017, o Presidente Donald Trump declarou epidemia de vícios em opiáceos nos Estados Unidos da América (EUA) e o estado emergencial da saúde em razão disto. Destacou-se que as mortes justificadas no consumo dessas drogas causaram um 11 de setembro a cada três semanas[1].

O ocorrido não se resume aos EUA. Na Europa, a morte de pessoas por overdose dobrou nos últimos cinco anos[2]. No Brasil, apesar do crescimento da utilização de opióides, ainda não há alardes quanto ao abuso. Acredita-se que isso se deve à burocracia em conseguir o medicamento, até para aqueles que dele necessitam para fins terapêuticos – com prescrição médica[3]. Os opióides são potentes analgésicos, com propriedades semelhantes à morfina, também indutores de sono[4].

Outro dado relevante é encontrado no número de pessoas que vivem com depressão e seu expressivo aumento nos últimos anos. Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS)[5], entre os anos 2005 e 2015, o número de pessoas reconhecidas com a doença aumentou 18%. No Brasil, atinge 11,5 milhões de pessoas e os distúrbios relativos à ansiedade, 18,6 milhões.

A utilização dessas drogas, sem prescrição médica e a ausência de sintomas físicos reais à utilização de analgésicos, assim como os verdadeiros motivos para o aumento da depressão e da ansiedade generalizada trazem indagações sobre a (in)tolerância da existência humana na Sociedade atual, líquida, ser contribuinte para esses dados.

As redes sociais seriam também relevantes para esses resultados? Uma pesquisa realizada pelas Universidades de Michigan (EUA) e Leuven, na Bélgica, revelou, com experimento em oitenta alunos de graduação, que ao utilizarem passivamente o “Facebook” durante o dia, sentiram-se significativamente piores. No entanto, quando a interação se torna direta, repentinamente, há melhora no humor das pessoas submetidas à avaliação[6].

A fragilidade dos laços, a agilidade e a facilidade de expor qualquer conteúdo informativo “online”[7] e o sensível aumento da exibição da privacidade por internauta reflete a ideia de que somos solitários em meio à multidão de pessoas “online”, narrando nossas próprias estórias (em que o escritor é geralmente uma pessoa comum) que aguarda gradativamente um maior número de “likes”.

Além disso, afloram nossas faltas e comparações aos demais indivíduos – pois concomitantemente se publicam (falsas) felicidades plenas e sofre-se de um círculo vicioso, por não terem a vida que declaram nas páginas sociais.

Viver é, dentre todas as coisas, acostumar-se a um cotidiano comum, às rotinas. Para justificar e enaltecer a existência, baseando-a em fundamentalismo ou não, é preciso frequentemente despertar a beleza da vida e inventar essências que a tornam tolerável. “Existe a dor, a solidão, a finitude representada pela morte, a ausência permanente de paz, o risco da perda de quem amamos, para a insegurança quando um filho tarda em voltar para casa… muitas ansiedades”[8]. Além disso, dentre as mazelas da vida, encontra-se a severa exigência de sermos sempre melhores, no sentido de alta formação intelectual e perfeccionismo estético, principalmente, cada vez mais cedo.

Nessa Sociedade moldada pelas aparências evidenciadas nas redes sociais, procurar cotidianamente o belo da vida parece impossível. A inverdade sobre uma felicidade plena demonstrada pelo outro torna os espectadores, muitas vezes, frustrados. A ansiedade e a solidão acima referidas parecem ter sido agravadas por uma cibercultura de telepresença generalizada[9] – em que os contatos reais entre os indivíduos estão cada vez mais escassos e as vidas parecem cada vez mais perfeitas.

Não há dúvida de que o ciberespaço[10] trouxe diversos avanços à humanidade. Contudo, junto ao “mar” de informação por ele fornecido, tornou-se imprescindível a capacidade, do sujeito que dele se utiliza, de escolher, selecionar e filtrar essas ideias expostas nas redes.

Será que estamos preparados para lidar com as problemáticas possivelmente geradas pelas redes sociais, agravadas pela educação deficitária, assim como utilizamos de seus benefícios? O crescimento dos dados expostos pode ser um alerta de que precisamos agir diante dessa antítese discutida?

[1] BBC BRASIL (Brasil). Epidemia de drogas: opioides causam um ’11 de Setembro’ em mortes a cada três semanas nos EUA: Comissão bipartidária diz que 142 americanos morrem por dia por abuso de drogas como heroína e analgésicos potentes e pede que presidente Trump declare emergência nacional.. 2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/bemestar/noticia/epidemia-de-drogas-opioides-causam-um-11-de-setembro-em-mortes-a-cada-tres-semanas-nos-eua.ghtml>. Acesso em: 28 fev. 2018.

[2] LETÍCIA MORI (São Paulo). BBC Brasil. Por que o Brasil escapou ileso da droga que virou epidemia nos EUA e na Europa. 2017. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-41753994>. Acesso em: 28 fev. 2018.

[3] LETÍCIA MORI (São Paulo). BBC Brasil. Por que o Brasil escapou ileso da droga que virou epidemia nos EUA e na Europa.

[4] Ver mais em: METRI, Laila Ferreira; PORTUGAL, Brina. Abuso de opióides. Pontíficia Universidade Católica de Goiás. Disponível em: <http://www.cpgls.pucgoias.edu.br/6mostra/artigos/SAUDE/LAILA%20FERREIRA%20METRI.pdf>. Acesso em 28 fev. 2018. e DUARTE, Danilo Freire. Breve História do Ópio e dos Opióides. Revista Brasileira Anestesiol. 2005. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rba/v55n1/v55n1a15.pdf>. Acesso em 28 fev. 2018.

[5] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (Brasil). OMS registra aumento de casos de depressão em todo o mundo; no Brasil são 11,5 milhões de pessoas. 2017. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/oms-registra-aumento-de-casos-de-depressao-em-todo-o-mundo-no-brasil-sao-115-milhoes-de-pessoas/>. Acesso em: 28 fev. 2018.

[6] http://ns.umich.edu/new/noticias-em-portugues/22722-uso-passivo-do-facebook-prejudica-o-bem-estar-das-pessoas

[7] Faz-se referência às fakenews, tema para eventual próxima pesquisa.

[8] MELO, Fábio de; KARNAL, Leandro. Crer ou não crer: uma conversa sem rodeios entre um historiador ateu e um padre católico. São Paulo: Planeta, 2017, p. 39.

[9] Expressão de LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed.34, 1999, p. 127. Título Original: Cyberculture.

[10] Expressão de LÉVY, Pierre. Cibercultura.

Imagem retirada da plataforma Wix.


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