O QUE FAZEM OS EXTRAORDINÁRIOS?
- Tainá Fernanda Pedrini
- 8 de fev. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 4 de out. de 2021

O livro “Extraordinário”[1], de R.J Palacio, narra a vida de August, um garoto com deformação facial congênita. O início da estória demonstra como o personagem principal se sentia “comum” e feliz, enquanto inexistisse contato com pessoas fora do seu círculo familiar.
Não é possível identificar as dificuldades, com certeza existentes, resultantes das vinte e sete cirurgias a que August foi submetido. Na verdade, em toda a estória, o sofrimento dos personagens – August e sua família – é desencadeado pela ingenuidade, mediocridade e preconceito humano[2].
Devido às cirurgias para corrigir a face de August, seu ingresso na escola ocorreu tardiamente, no quinto ano. Apesar disso, exceto por razões estéticas, August desenvolvia as mesmas atividades que outras crianças. “Tomo sorvete. Ando de bicicleta. Jogo bola. Tenho um Xbox. Essas coisas me fazem comum. Por dentro. Mas sei que crianças comuns não fazem outras crianças comuns saírem correndo e gritando do parquinho”[3].
Ao ser inscrito na escola, August é submetido a situações ainda mais infelizes ao virar alvo de “bullying”, mesmo sendo mais inteligente que o padrão normal dos alunos – o que por si só já poderia ser estopim para a ocorrência.
Conquanto o final feliz da trama e a ficção que envolve a narrativa, o expressivo sucesso do livro e, depois, do filme, traz consigo a necessidade de refletir sobre o assunto.
A estória de August recorrentemente se torna história. Pessoas como August, são “comuns”. Em 2016, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou uma pesquisa[4] a fim de averiguar a ocorrência de “bullying” nas escolas. Cem mil crianças e jovens foram objeto de amostra em 18 países, metade deles, alarmentemente, já sofreram algum tipo de “bullying”. No Brasil, embora imersos na miscigenação de pessoas, o resultado foi de 43%[5].
Lizzie Velasquez é um grande exemplo da existência de pessoas como August. Acometida por uma síndrome que impede o ganho de peso, ela nunca terá mais que 29 kg[6].
Em uma de suas palestras, Lizzie descreve que foi criada como uma criança realmente comum. Ao ser encorajada veementemente pelos pais para ir à escola – assim como August – Lizzie conta como sua convivência social se tornou cada vez mais debilitada. No Ensino Médio, foi, inclusive, exposta às redes sociais, em um vídeo de quatro milhões de visualizações, rotulada como “a mulher mais feia do mundo”[7].
Os comentários que acompanhavam o vídeo “online” eram ainda mais devastadores e pediam, inacreditavelmente, para que Lizzie cometesse suicídio[8].
Auxiliada por uma família incrível, Lizzie conta que passou a ser grata por estar viva até aquele momento, já que a probabilidade era realmente remota. Hoje, utiliza sua história como alavanca para outros tantos que não têm a mesma felicidade e amparo que ela.
Clichê ou não, extraordinárias são as pessoas que passam por profundas adversidades e, vitoriosas, comovem-nos ao narrá-las com gratidão ao percurso sofrido, à mudança de valores sobre a vida e a vontade de atingir outras.
Embora seja igualmente lamentável, há uma preocupação maior com aqueles que não têm o mesmo potencial ou amparo de Lizzie. Pesquisa realizada pela Universidade de Yale[9], nos EUA, analisou 37 estudos que examinaram a relação entre “bullying” e suicídio entre crianças e adolescentes. Quase todos encontraram liame entre um e outro. Cinco deles, entretanto, relataram que as vítimas de “bullying” eram duas a nove vezes mais propensas para tanto.
“As consequências do bullying vão além dos problemas de rendimento escolar ou relacionamento social do aluno. Além de catastróficas, como nos casos de automutilação das vítimas, elas podem ser fatais (bullycídio). A constatação é empírica, numérica. A gravidade do tema está evidenciada pela análise real dos fatos e não por um caráter meramente opinativo.
Portanto, se os problemas em âmbitos educacionais nem sempre foram suficientes para chamar a atenção de alunos, professores, pais e autoridades sobre toda a problematização do “bullying”, que tal agora pensarmos nas mortes que dele decorrem?”[10].
O filme Extraordinário, tem importante função ao chocar e dramatizar a temática, por meio da rotina de August. Com acesso ao filme, em uma Sociedade que ainda pouco lê, espera-se que August traga mais conscientização e levante o debate sobre o tema. É ainda mais essencial a obrigatoriedade da leitura nas escolas”.
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